sábado, 25 de agosto de 2007

Eduardo Prado Coelho!

"Livre. Livre dos equilíbrios consensuais a que obrigam a formação universitária ou a rotina do jornalismo cultural. Livre das programações ideológicas que distribuiam com impiedosa cegueira os ocupantes do campo amigo e os do campo adversário. Livre dos condicionalismos que impunham um calão científico ou uma simplificação demagógica. Livre também para poder ser incoerente, contraditório, instável, deambulante, provocador, terno, insidioso, segundo a cadência emocional das horas e dos dias.

Setembro é o teu mês: e de súbito a morte de um amigo, e o insensato desentendimento em que se perderam, suscitou o desejo de uma palavra que recuperasse tudo o que nos surge sob a forma do irreparável e do irreversível — tudo o que não escrevi, afinal.
Porque o tempo era mais urgente do que os códigos. Livre também dos códigos e das fórmulas. Entregue apenas ao sabor das palavras — cada página é a página de rosto de um arquivo de afectos. Um rosto. Este é o primeiro dia do resto dos teus livros — disse A., quase em surdina, encostado à porta do quarto. O primeiro dia, sim, claro (concordaste), mas ainda me falta a primeira palavra."...

Eduardo Prado Coelho

Na surpresa de uma curva, o deslumbramento. Tão forte que as lágrimas deveriam romper clandestinamente no mais fundo dos olhos. Este lugar é uma enseada, enseada amena, a enseada de Guesclin. Em frente uma pequena ilha, com árvores, uma casa à proa, muralhas, janelas pequenas, e, no topo, uma grande janela branca e fechada — uma moldura de silêncio. Enquanto houver ilhas, os homens continuarão a ser reis como os reis que o foram outrora. Reis inúteis, mas soberanos, imensos, sumptuosos, cobertos pelo manto nocturno das águas. Dinastias arrogantemente supérfluas. Diademas, ceptros, flores venenosas. Se eu tivesse uma ilha, os meus amigos chegavam em barcaças, cantavam baladas de marinheiros, bebiam cidra, deitavam-se com a boca salgada, faziam amor e adormeciam.
Na falta de uma ilha, um livro."...

Nasceu em Lisboa, em 1944.
Licenciou-se em Filologia Românica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e doutorou-se em 1983, na mesma Universidade, com uma tese sobre “A Noção de Paradigma nos Estudos Literários”. Foi assistente na Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1984, passou para a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde é actualmente professor associado no Departamento de Ciências da Comunicação.
Em 1988, foi para Paris ensinar no Departamento de Estudos Ibéricos da Sorbonne - Paris 3. Entre 1989 e 1998 foi conselheiro-cultural na Embaixada de Portugal em Paris e, em 1997, director do Instituto Camões, nesta cidade.
Tem ampla colaboração em jornais e revistas e publica uma crónica semanal sobre literatura no jornal Público, para além de um comentário político quotidiano no mesmo jornal.
É autor de uma ampla bibliografia universitária e ensaística, onde se destacam um longo estudo de teoria literária Os Universos da Crítica, vários livros de ensaios O Reino Flutuante, A Palavra sobre a Palavra, A Letra Litoral, A Mecânica dos Fluidos, A Noite do Mundo e dois volumes de um diário Tudo o Que Não Escrevi (Grande Prémio de Literatura Autobiográfica da Associação Portuguesa de Escritores, 1996). Em 2004, foi-lhe atribuído o Grande Prémio de Crónica João Carreira Bom. Publicou recentemente Diálogos sobre a Fé” (com D. José Policarpo) e Dia Por Ama (com Ana Calhau).

3 comentários:

Elvira Carvalho disse...

O país ficou mais pobre culturalmente... e nós com ele.

Anónimo disse...

Somos (país) tão culturalmente pobres que a morte de EPC se sente de uma forma ainda mais forte.
Muito jovem, quis o destino que uma morte súbita o levasse precocemente.

Franky disse...

Olá Elvira e Repórter

Cada vez que morre alguém com valor o nosso país fica mais pobre. Os valores culturais são poucos e devemos manter viva a imagem destes vultos da nossa cultura. Eduardo Prado Coelho deve, por isto tudo e pelo valor que ele tinha, manter-se vivo na nossa memória.