A Quaresma da minha infância!
Safara
Hoje dei comigo a lembrar a minha infância em terras do Sul e a fé de quem acredita em tempos de Quaresma. As minhas recordações levam-me a Safara, uma aldeia no distrito de Beja, concelho de Moura. Safara é uma pequena aldeia perdida entre a planície alentejana e as serras que cortam os ventos de Espanha e onde eu vivi entre os anos 1954/64.
Safara tem uma praça principal com um jardim no qual tem uma fonte de homenagem ao povo de Safara. A Ermida de Santa Ana e a Capela de S. Sebastião.
Ermida de Santa Ana Capela de S. Sebastião
Safara, nestes dias de Quaresma vestia-se de roxo e rosmaninho.
Safara, nestes dias de Quaresma vestia-se de roxo e rosmaninho.
A Igreja Paroquial (séc.XVI-XVII Património Histórico Nacional, tinha na época belíssimos painéis de azulejos invocando a Via Sacra, cobria todos os seus santos com panos roxos nesta época do ano, símbolo do sentimento de tristeza e respeito pela dor do menino que se fez homem e que se tinha deixado morrer por todos os erros da humanidade. E assim ficavam até ao momento da ressurreição. A Igreja era imponente aos meus olhos de menina. Eu entrava pela enorme porta principal, estava sempre aberta para nos receber, com passos miúdos e muito leves para não fazer estalar o chão de madeira e assim despertar quem ali se encontrava em meditação. Ficava ali largas horas a olhar para as imagens cobertas pela cor da paixão e imaginando um mundo só meu.
O Senhor dos Passos, lá em cima no andor, carregando uma cruz enorme às costas, coberto de feridas, ensanguentado e exausto, num sofrimento enorme, imóvel e envolto em panos roxos, fazia-me ficar muito triste. Um outro Cristo, deitado debaixo de um altar, dentro de um caixão, metia-me medo, mal me conseguia aproximar. Ficava ainda mais triste, constrangida,pensativa, perdida. Não entendia o porque de tanto sofrimento no rosto daquele homem que me ensinaram a amar por ser Santo.
Existia na altura em Safara, uma irmandade que não me recordo o nome, mas da qual fazia parte a Irmã Maria de Jesus, a Madre Superiora, que me ensinou a catequese e a compreender o significado da Quaresma, da Páscoa, e de toda a vida de Cristo. A irmã Raquel, uma freira bonacheirona e muito simpática que era a nossa enfermeira, vinha a minha casa dar-me as injecções quando eu estava doente e o Dr. Carlos ou o Dr. Louro mas receitavam, são estas pessoas e tantas outras de Safara que preenchem o mundo real e imaginário da minha infância. O senhor da Farmácia, o casal Guerra dos Correios, as lojas e as tabernas de Safara, são também pedras sólidas do meu crescer em terras Alentejanas.
A procissão das “Endoenças” em Safara é qualquer coisa de que não esqueço. Poucas festas existiam nestas aldeias esquecidas do Alentejo, num país de terras de fome e miséria, nestes tempos de repressão. Era a procissão nocturna do Encontro entre Jesus e sua Mãe.
O andor do Senhor dos Passos saia da Igreja para o silêncio da noite, o compasso marcado pelos Farricocos (homens descalços, com túnicas e cabeças tapadas com capuz) eu chamava-lhes "cucas”. O respeito no silêncio do povo.
Depois o Encontro entre Mãe e Filho. E aí o meu corações parava para ouvir a Maria Madalena com uma voz imaculada, cantando com dor na voz.
Maria, encontra o seu filho perdido na dor. O silêncio aperta-nos o peito com vontade de chorar. Madalena enxuga o rosto de Jesus e eu vejo boquiaberta, o seu rosto naquele pano que Maria Madalena vai desenrolando e cantando. A sua bonita voz eleva-se na noite, num trinado que nos faz arrepiar. Nunca ouvi cantar tão bem, aquela voz no silêncio da noite transporta-nos para outros tempos perdido nos séculos e nos homens. O tempo pára. E eu não esqueci. É um quadro vivo nas memórias de menina.
Depois o Encontro entre Mãe e Filho. E aí o meu corações parava para ouvir a Maria Madalena com uma voz imaculada, cantando com dor na voz.
Maria, encontra o seu filho perdido na dor. O silêncio aperta-nos o peito com vontade de chorar. Madalena enxuga o rosto de Jesus e eu vejo boquiaberta, o seu rosto naquele pano que Maria Madalena vai desenrolando e cantando. A sua bonita voz eleva-se na noite, num trinado que nos faz arrepiar. Nunca ouvi cantar tão bem, aquela voz no silêncio da noite transporta-nos para outros tempos perdido nos séculos e nos homens. O tempo pára. E eu não esqueci. É um quadro vivo nas memórias de menina.
Safara, é a terra que mais me marcou a infância em todos os sentidos e me deixou mais saudades. E porque o tempo não volta para trás, resta-nos recordar, quando as recordações são assim tão vivas e tão felizes.
5 comentários:
Alentejo profundo?
Vem aí a Páscoa.
Beijinho.
Boa noite?
sai um café pra mim!:) Quanto ao tema, culturalmente aprecio a época pascal. Mesmo as procissões estão carregadas de simbolismo histórico.
Eu também tenho boas recordações da *áscoa no Alentejo. Ainda hoje se realiza uma procissão que sempre me impressionou muito, era conhecida como a procissão dos homens por apenas homens formarem parte da mesma e o que mais me arrepiava era o som das matracas...
Percorria todas as igrejas e nós comiamos amêndoas a noite toda.
Bem posso dizer que " já fui tão feliz no Alentejo durante a época da Páscoa!!" Mas isso são outras histórias que terminaram mal...
Muito profundo, sim, repórter!
Feliz Páscoa para ti
Braga, em questão de Semana Santa é assim qualquer coisa que toda a gente devia ver nem que fosse só uma vez na vida. Ali vivesse a história no seu maior simbolismo.
Eu também já fui muito Feliz no Alentejo, Xanu. Em Safara e em Vila Nova de S. Bento! E quem diga o contrário mente.
Boa Páscoa para todos.
Olá,eu sou de Safara...gostaria de saber mais histórias de Safara!
Se tiver vontade de as contar e partilhar conte comigo.
www.safara-away.blogspot.com
Cumprimentos
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