quarta-feira, 21 de março de 2007

A hora dos poetas

José Malhoa


Paisagem

Passavam pelo ar aves repentinas,

O cheiro da terra era fundo e amargo,

E ao longe as cavalgadas do mar largo

Sacudiam na areia as suas crinas.


Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,

Era a carne das árvores elástica e dura,

Eram as gotas de sangue da resina

E as folhas em que a luz se descombina.


Eram os caminhos num ir lento,

Eram as mãos profundas do vento,

Era o livre e luminoso chamamento

Da asa dos espaços fugitiva.


Eram os pinheirais onde o céu poisa,

Era o peso e era a cor de cada coisa,

A sua quietude, secretamente viva,

E a'sua exaltação afirmativa.


Era a verdade e a força do mar largo,

Cuja voz, quando se quebra, sobe,

Era o regresso sem fim e a claridade

Das praias onde a direito o vento corre



Sophia de Mello Breyner Andresen

Sem comentários: