domingo, 4 de maio de 2008

Para ti, mãe!


Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:

"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.

E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu estive lá!!

Primeiro 1 de Maio!


Eu estive lá!

Eles também!

E o povo saiu à rua!

«Trova do Vento que Passa»

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre



segunda-feira, 28 de abril de 2008

Vila Faia!

Todos os fins de semana é a mesma coisa!
Quando ouvi dizer que a RTP canal Um, iria repor a novela Vila Faia com novo elenco e com algumas, ligeiras, alterações, eu disse logo que não iria perder nenhum episódio. Convenci também a família, revelando-lhes que a novela na altura da sua primeira exibição, tinha sido um êxito e que movimentara multidões. Muitas famílias depois do jantar, todos à volta do aparelho de TV, bebíamos cada palavra que era pronunciada com sabedoria e empenho pelos actores e actrizes que a compunham e acompanhávamos com imenso interesse o desenrolar das aventuras e desventuras do Godunha e da Mariette e das famílias dos Marques Vila e dos Marinhais. Ficámos todos cá em casa, os mais velhos e os mais novos, muito entusiasmados para (re)ver a Vila Faia.
A novela finalmente chegou! A RTP começou a transmitir os primeiros episódios. E aí começou o desentendimento familiar, na minha casa. A novela Vila Faia é transmitida por volta das 18.30, aos fins-de-semana, isto quando o Futebol não se mete pelo meio. Ora a essa hora já os outros canais estão a meio de um filme ou de um outro programa qualquer, e QUEM é que interrompe o que está a ver com algum ou até muito interesse para mudar de canal? NINGUÉM como é lógico! E aí começa o meu “drama”!
Ou continuo a ver o que estou a ver e pura e simplesmente ignoro a dita novela, com muita pena minha.
Ou vou para o quarto vê-la, e me deito em cima da cama às 6, 30 da tarde, afastando-me assim do resto da família que continua na sala em alegre cavaqueira, a ver o programa ou filme que estávamos a ver, muito antes da novela começar!
Se o fim de semana está de feição, com um sol lindo lá fora e um agradável entardecer a convidar para dar uma volta para arejar e ser bafejados por estes fins de tardes primaveril, lá se vai a dita cuja trama do Godunha versos Mariette!
Se temos visitas de amigos que aparecem nas tardes de fins-de-semana, para passarmos umas horas a confraternizar, esquece a novela.
Se fazemos um programa à tarde, de uma ida ao cinema, ou tomar um lanche numa esplanada , perco o enredo!
E assim graças a um “Chico esperto” que por acaso se chama José Fragoso, se lembrou de colocar no ar, num horário para ninguém ver, eu perco a melhor novela que alguma vez se fez em Portugal, pelo menos para mim. Sem respeito pelos actores e por nós, meros telespectadores, simples joguetes nas mãos de certos meninos que pensam que sabem tudo e de tudo!
Mesmo depois do protesto de actores, pela voz da sempre realista Simone de Oliveira, mesmo com baixa de audiências, este... como direi, para não ofender quem tenha um pouquinho de inteligência e modéstia (?) teimoso, continua a insistir na passagem da novela num horário que não interessa a ninguém, muito menos à RTP. Só se o dito senhor têm interesses em acabar com a produção nacional e o canal do Estado, aí eu concordo com ele, este é o horário certo para passar seja o que for para acabar com ele em pouco tempo. E depois os dinheiros não são públicos? Não deveriam ouvir a opinião de quem vê e assiste aos programas? Teimosia tem limites!! Depois passa a ser burrice!

sábado, 26 de abril de 2008

Que o tempo não apague as memórias!

Eu vim de longe/José Mário Branco


Quando o avião aqui chegou
quando o mês de Maio começou
eu olhei para ti
então entendi
foi um sonho mau que já passou
foi um mau bocado que acabou

Tinha esta viola numa mão
uma flor vermelha n'outra mão
tinha um grande amor
marcado pela dor
e quando a fronteira me abraçou
foi esta bagagem que encontrou

Eu vim de longe
de muito longe
o que eu andei p'ra'qui chegar
Eu vou p'ra longe
p'ra muito longe
onde nos vamos encontrar
com o que temos p'ra nos dar

E então olhei à minha volta
vi tanta esperança andar à solta
que não exitei
e os hinos cantei
foram feitos do meu coração
feitos de alegria e de paixão

Quando a nossa festa s'estragou
e o mês de Novembro se vingou
eu olhei p'ra ti
e então entendi
foi um sonho lindo que acabou
houve aqui alguém que se enganou

Tinha esta viola numa mão
coisas começadas noutra mão
tinha um grande amor
marcado pela dor
e quando a espingarda se virou
foi p'ra esta força que apontou


quinta-feira, 27 de março de 2008

O Teatro faz-nos falta!

Que falta que que me faz as noites de teatro na RTP! Eram noites de grande expectativa. Eram noites de magia, de sonho! Sem sair do nosso cantinho éramos visitados por grandes senhores da arte de bem representar. E que bem representavam. Eunice Munoz, Rui de Carvalho, encabeçam a minha lista de bons actores de Teatro. Uma peça notável de que não me esqueço, sobretudo pelo desempenho de Palmira Bastos que, com aquela idade, fez uma excelente representação. Sem dar pelo passar do tempo, ainda me recordo do som da bengala a bater no chão e esta frase inesquecível:
-"
Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores!"
Frase que me ficou de exemplo para os momentos mais graves da minha vida. Mas parece que ao fim de mais de 30 anos o teatro está de volta à RTP! Com a peça “O dia das Mentiras”, baseado em duas comédias de Almeida Garrett, adaptadas por Rui Mendes, com encenação de Fernando Gomes, que sobe ao palco do Teatro Trindade e entra pela casa dos portugueses à hora das telenovelas.
Será? Com que regularidade? Em que horário? Será que vai passar às 6 da tarde como passa a novela Vila Faia? Quando nos dão alguma coisa de que gostamos, dão tão pouco e de tão má vontade que desconfiamos sempre um bocadinho. Bom, mas não vou falar antes de tempo e fico à espera que o Teatro volte em força e com muitas peças. Artistas bons nós temos de certeza e com vontade de trabalhar, também. Ficamos à espera.
E Viva o Teatro, o Teatro Português e os nossos actores!

sábado, 22 de março de 2008

Páscoa Feliz!


Hoje é sábado, véspera de Domingo de Páscoa! Continuamos em período de luto, de reflexão, de recolhimento pela morte de Jesus! Está um dia triste e cinzento. Lá fora chove e faz frio. Está uma primavera envergonhada.
Porém, quando eu era criança, Jesus já tinha ressuscitado! Durante muitos anos, sempre se ouviram o repicar dos sinos das Igrejas por volta das 10 da manhã. Era Sábado de Aleluia! Anunciavam o renascimento de Jesus! Depois, reconhecendo o erro, a igreja Católica passou a celebrar a Ressurreição, com ofícios religiosos, a partir das 0 horas de domingo.
Com esta alteração, o tocar dos sinos tão característico na minha infância acabou por se perder. Ainda me lembro da correria que a criançada fazia, para chegar à praça principal da aldeia de Safara, onde se erguia a enorme igreja com os sinos da torre a tocarem sem cessar, logo pela manhã.
Eu e a minha irmã vestíamos os melhores vestidos feitos pela minha mãe para aquela ocasião, a mim, a minha mãe insistia em me colocar um laçarote nos cabelos que de tão lisos e finos, não ficava lá mais que uns minutos. Era para eu ficar mais bonita, dizia ela!
Entravamos na Igreja e eu ficava parada a olhar para aquele Cristo, antes coberto de panos roxos, o que sempre me fazia uma enorme confusão para a minha imaginação de criança, e agora a olhar para mim, com um ar tão sofrível, tão magoado, tão triste. Eu sentia culpa, nem sei bem de quê, e ficava triste também, como se eu fosse a culpada de todos os pecados do mundo!
Mas era hora de festa e de cantar Aleluia, e eu ia devagarinho juntar-me aos meus familiares, sem nunca deixar de olhar aquele rosto que de longe me seguía e que apesar de todo o seu sofrimento me parecia fraternal e compreensivo.
A seguir eu saía da Igreja e ia desejar Uma Páscoa Feliz a toda a gente que conhecia.
É isso que eu hoje e passado tantos anos, desejo a todos vós, os que por aqui vão passando.

sexta-feira, 21 de março de 2008

No dia Mundial da Poesia!

No teu Poema

No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.

No teu poema
existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.

Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.

Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.

No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.

Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro.

José Luis Tinoco